quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Crítica do dia!

QUASE DEUSES (Something the lord made, EUA, 2004).
Direção: Joseph Sargent.
Com: Alan Rickman, Mos Def, Kyra Sedgwick, Gabrielle Union. 110 min.
   Em meados de 2007, um dos descobridores da molécula do DNA, o biólogo americano James Watson, prêmio Nobel de Medicina em 1962, revelou todo um pessimismo em relação ao desenvolvimento do continente africano. Motivo: os negros, basicamente, seriam menos inteligentes do que os brancos. A polêmica idéia provocou um tremendo alvoroço entre geneticistas, sociólogos, antropólogos e outros especialistas. Esta não era, porém, a primeira ocasião na qual Watson causava frisson: entre outras coisas, ele já havia defendido, por exemplo, a terapia genética para embelezar mulheres feias e o direito ao aborto - caso fosse possível prever, geneticamente, se uma criança seria homossexual (Cláudia Leitte provavelmente abortaria...).
    Este QUASE DEUSES apresenta um contra-exemplo para o leigo discurso racista de Watson: o filme conta a história de Vivien Thomas (Mos Def), um marceneiro negro às voltas com a penúria ocasionada pela Grande Depressão de 1929. Desempregado, Vivien aceita o emprego de zelador laboratorial ofertado pelo médico Alfred Blalock (Alan Rickman). Com o passar do tempo, o marceneiro revela-se um competente assistente para as pesquisas realizadas por seu empregador. Mais: auto-didata, Vivien passa a estudar com afinco e, em certas situações, executa algumas intervenções cirúrgicas.
   O rapper Mos Def entrega uma interpretação digna de nota - alguns traquejos na execução dos textos, no entanto, soam como uma espécie de rima, maculando um pouco o trabalho do ator. Alan Rickman, por sua vez, dispõe ao seu personagem a dosagem exata de elegância e prepotência, qualidades associadas à perícia cirúrgica e ao racismo enrustido - afinal de contas, um negro não poderia protagonizar a descoberta da cura para a chamada Tetralogia de Fallot, não é mesmo? Bom, por falar em jargões médicos, segue uma dica: o espectador não deve ater-se ao palavreado técnico predominante. A Navalha de Ockham, um princípio lógico atribuído ao frade franciscano inglês William Ockham, sugere optar pela simplicidade - é perfeitamente inteligível que uma 'troca de encanamento' restaure o coração de um bebê enfermo, não?
   Se a produção da HBO capricha na grandiloquência, o mesmo não se pode dizer das péssimas maquiagens: aqui, barba, cabelo e bigode não foram suficientes, por exemplo, para transparecer o envelhecimento de Vivien.
   Além da costumeira jornada de superação e reconhecimento (que vale uma conferida, diga-se de passagem), há, em QUASE DEUSES, uma intrigante temática brevemente discutida: o BIOLOGOS - a crença de que Deus teria estabelecido todos os princípios e diretrizes do Universo e que, entendendo melhor os mecanismos deste (através do conhecimento científico, por exemplo), o homem alcançaria algum tipo de conexão com o Criador. A despeito da retórica de Watson, é notável que um negro tenha experimentado tal elo.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Crítica do dia!

MISSÃO: IMPOSSÍVEL 3 (Mission: Impossible 3, EUA, 2006).
Direção: J.J. Abrams.
Com: Tom Cruise, Philip Seymour Hoffman, Michelle Monaghan, Billy Crudup, Laurence Fishburne, Ving Rhames, Jonathan Rhys Meyers, Simon Pegg. 126 min.
   A abertura de MISSÃO IMPOSSÍVEL 3 denuncia o filmaço que está por vir: Ethan e sua esposa Julia estão presos e à mercê do mais amedrontador inimigo que a franquia já concebeu. Pronto: após o flashforward, o imaginário do espectador passa a tentar desvendar a sequência de eventos que culminarão na cena acima descrita - é claro que, até que isto aconteça, algumas máscaras serão forjadas, muitos carros (e personagens) voarão pelos ares e, obviamente, rola aquela mentirinha aqui e ali (um caça ser derrubado por uma única metralhadora, por exemplo).
   Distante das atividades de campo, Ethan Hunt é o responsável pelo treinamento dos novos futuros agentes da IMF (Impossible Missions Force). Quando é informado da captura de um de seus pupilos, Ethan decide participar de uma perigosa missão de resgate. A partir daí, Hunt vê-se envolvido numa trama de interesses e corrupção, tornando-se o inimigo número 1 de Owen Davian (Philip Seymour Hoffman, ótimo), um poderoso fornecedor de armas de nações beligerantes.
   MI-3, como seus predecessores, carrega em si, um caráter, digamos, multinacional; há locações em vários países (Alemanha e Vaticano, por exemplo), mas uma delas merece destaque: a sequência em Chesapeake Bay´s é uma das mais bem filmadas cenas de ação dos últimos tempos. Mais: amparada pela excelente trilha de Michael Giacchino, a correria de Cruise (como sempre, dispensando dublês) torna-se ainda mais contagiante.
   Por falar em Michael Giacchino, a estreita relação de LOST com MI-3 não resume-se apenas à musicalidade: o filme conta com a direção firme e competente de J.J. Abrams, um dos idealizadores do mítico seriado televisivo. Após as saídas de David Fincher e Joe Carnahan (supostamente, em função das velhas divergências artísticas com Cruise), Abrams assumiu a cadeira e fez com que a franquia MI-3 desse maior relevância aos seus personagens: uma característica também presente em LOST - apesar da pluralidade temática, o foco da série está nos conflitos de seus protagonistas. Contudo, a maior (e mais óbvia) contribuição de LOST para MI-3 seja talvez a cena em que Ethan está entre a vida e a morte (ou você já esqueceu como Jack e Kate salvam a vida de Charlie?). As colaborações para MI-3, no entanto, não vêm apenas da televisão: até em Hitchcock Abrams foi buscar inspiração. Aqui, os famosos MacGuffins - pequenos mistérios que servem apenas para desviar a atenção do espectador - estão representados pelo controverso 'pé-de-coelho'.
   O fato é que Abrams empreendeu inteligentemente os 150 milhões de dólares postos à sua disposição, e, trabalhando com vários parceiros de outrora (como os roteiristas Alex Kurtzman e Roberto Orci), o cineasta, após os 126 minutos de projeção, ainda faz pairar uma pequena dúvida no ar: afinal de contas, o que diabos é o 'pé-de-coelho'?