quarta-feira, 16 de março de 2011

Crítica do dia!

127 HORAS (127 Hours, EUA/Reino Unido, 2010).
Direção: Danny Boyle.
Com: James Franco, Kate Mara, Amber Tamblyn, Treat Williams. 94min.
   O corpo humano é, sem dúvida, impressionante. Mesmo em níveis microbiológicos parece existir um instinto de sobrevivência. Nossas células, por exemplo, dispõem de um mecanismo denominado AUTOFAGIA, segundo o qual organelas intracelulares inúteis são digeridas, evitando, assim, o acúmulo das mesmas. O interessante é que, em condições extremas - uma crise alimentar, por exemplo -, a autofagia pode ser exercida sobre estruturas ainda funcionais: um forte apelo celular para a manutenção da sobrevivência.
   E, por falar em sobrevivência, este é o tema-chave de 127 HORAS. Aqui, o enredo é simples: Aron Ralston é um engenheiro que, nas horas vagas, aventura-se pelos cânions americanos do estado de Utah. Numa de suas aventuras, porém, o rapaz sofre um acidente: ao cair num buraco, o jovem fica com um dos braços preso sob uma enorme e pesada rocha. O título do filme refere-se às agonizantes 127 horas que, a partir de então, se sucedem.
   Mesmo aqueles que já conhecem o desfecho cruciante de Aron - a produção é baseada em fatos ocorridos em abril de 2003 - impressionam-se com o trabalho de Danny Boyle. Dono de um estilo frenético, o diretor carrega de criatividade o hermético ambiente de seu personagem: a indicação da variação de temperatura na tela nos dá uma idéia das dificuldades enfrentadas por Aron - à noite, o termômetro marca 44°F: 6°C, aproximadamente; a viagem da câmera à bebida isotônica deixada por Aron no carro nos proporciona uma noção da sede sentida pelo rapaz; a sequência do 'talk-show', sob um ponto de vista filosófico, é uma expressão da inventividade humana em situações de estresse.
   Criativo como Boyle, A.R. Rahman, responsável pela trilha sonora, experimenta um antagonismo interessantíssimo: em algumas cenas, temos, como pano de fundo, músicas, digamos, dançantes! O resultado é muito bacana. Também digna de nota é, obviamente, a atuação de James Franco, que, inclusive, rendeu-lhe uma indicação ao Oscar de melhor ator - o filme teve mais cinco indicações: melhor filme, melhor roteiro adaptado (do livro Between a rock and a hard place), melhor edição, melhor trilha sonora original e melhor canção original (If I rise).
   Um belo registro da irrupção do instinto de sobrevivência do nível celular para um âmbito mais abrangente. 'There is no force on earth more powerful than the will to live.'

terça-feira, 1 de março de 2011

Especial!

TROPA DE ELITE 2: O INIMIGO AGORA É OUTRO (Brasil, 2010).
Direção: José Padilha.
Com: Wagner Moura, Irandhir Santos, Maria Ribeiro, Sandro Rocha, André Ramiro, Pedro Van Held, Milhem Cortaz, Tainá Müller. 116 min.
   Ano: 2007. Milhares de cópias piratas daquele que viria a ser um dos maiores sucessos do cinema nacional entulhavam as barracas de camelôs de todo o país - estima-se que 11 milhões de pessoas tenham assistido TROPA DE ELITE antes mesmo de sua estréia. Resultado: o filme de José Padilha foi lançado nas telonas às pressas. Ano: 2010. Traumatizado com a experiência de outrora, TROPA DE ELITE 2 é lançado sob um indelével esquema antipirataria - as cópias (cerca de 600, inicialmente), por exemplo, possuíam uma numeração invisível ao olho humano: se houvesse alguma filmagem da tela num cinema, seria possível detectar em que sala teria ocorrido a infração; além disso, as cópias tinham, também, um GPS embutido cuja função era rastrear qualquer tentativa de desvio de rota durante o processo de distribuição Brasil afora.
   A meta pessoal de Padilha era fazer com que, no mínimo, 11 milhões de espectadores (repare no significado especial deste número) fossem aos cinemas ver TROPA 2. E, como sabemos, ele conseguiu. O sucesso das novas aventuras do admirável Coronel Nascimento foi tão grande que TROPA 2 é, atualmente, o filme de maior bilheteria da história do cinema no Brasil. A supremacia de DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS (1976) - até o ano passado, o filme de maior público da história do cinema nacional - acabara. E com justiça.
   A seguinte frase de Padilha resume a essência de TROPA 2: 'Não me interesso em fazer um filme que seja só entretenimento.' Fidelíssimo às suas ideologias, o diretor mergulha fundo em complexas questões contemporâneas, que vão desde a corrupção política ao controle das favelas cariocas pelas chamadas milícias. E, no meio deste vórtice, está o glorioso Coronel Nascimento: após um incidente no Complexo Penitenciário de Bangu 1, o policial é promovido a subsecretário de segurança pública do estado do Rio de Janeiro e, durante a sua gestão, o BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais) é transformado numa potente máquina de guerra. O problema é que, paralelamente, novas lideranças criminosas surgem e, para piorar, estas têm o apoio e a proteção do governo fluminense.
   Com efeitos especiais de primeira - alguns membros da equipe técnica trabalharam em produções como, por exemplo, HOMEM DE FERRO e AVATAR -, TROPA 2 é, acima de tudo, e, por incrível que pareça, um filme-cabeça, uma vez que nos incita a refletir profundamente sobre sérios problemas sociais crônicos de nosso país: ao bater de frente com o 'sistema', o Coronel Nascimento parece dar voz a cada um dos brasileiros esquecidos, injustiçados e vítimas do descaso político. Numa sequência em especial, na qual um deputado corrupto é açoitado pelo icônico personagem, o espectador tem a nítida impressão de estar protagonizando a pancadaria.
   O roteiro de Bráulio Mantovani, por sua vez, possui, ainda, uma dezena de cenas memoráveis: a tensa sequência de abertura em Bangu 1 (filmada numa imensa réplica do presídio de segurança máxima), a invasão do Tanque (que chegou a amedrontar moradores da favela onde as cenas foram rodadas), o carro do Nascimento sendo fuzilado (Wagner Moura dispensou dublês para a execução do 'Cavalo-de-Pau'), entre outras. Porém, o maior mérito de Bráulio e seus colaboradores foi compreender que uma sequência não deve, necessariamente, conter os mesmos elementos do original (aqui, por exemplo, não há a mesma profusão de bordões do primeiro filme); a franquia , felizmente, optou pela inovação. O amadurecimento é patente. Tanto quanto os cabelos brancos de Nascimento e sua postura encurvada: uma inteligente metáfora que simboliza o peso do fardo carregado pelo personagem de Wagner Moura - e por nós também.